Diante das transformações psicológicas, sociológicas, tecnológicas e culturais que têm ocorrido nas grandes cidades, qualquer pastor, com sua teologia bíblica e sua experiência mística, se sente tão anacrônico quanto um jumentinho puxando uma carroça em plena avenida. Enquanto caminha placidamente em meio à velocidade e ao barulho de motocicletas, automóveis, ônibus e caminhões, ele vai ruminando suas limitações pessoais
e arrastando uma carroça (chamada igreja) cheia de objetos velhos e móveis usados.
Fiel e preciso, ele repete as atividades dos jumentos de todos os tempos. O que ele carrega na carroça desperta pouco interesse, mas o seu anúncio anacrônico é triunfalista. Ele expõe dados estatísticos extraídos de pesquisas ultrapassadas para convencer o homem da cidade que não há nada melhor no mundo do que ser um jumento e nada mais moderno que uma carroça.
Sua visão da cidade e do século é propositadamente limitada e pessimista. Com suas viseiras bem ajustadas, ele insiste em afirmar que o burburinho e a agitação da cidade o impedem de trafegar e que os modernos automóveis à sua volta atrapalham o trânsito na avenida. E assim ele vai seguindo seu caminho, criticando as pessoas por se recusarem a voltar ao tempo das carroças.
Esta reflexão foi escrita por um “jumentinho” que tirou as viseiras, mas manteve sua identidade. O jumentinho não pretende embarcar na onda de pessimismo nostálgico, como muitos dos seus companheiros, mas também não procura esconder, com esforço visível, suas orelhas de asno. Deseja apenas encontrar o seu lugar em meio à complexidade do século em que vive.
Texto retirado do livro (UM JUMENTINHO NA AVENIDA DE MARCOS MONTEIRO)
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